sábado, 6 de setembro de 2014

Neurociência no tribunal

arreduras cerebrais e outras provas neurológicas raramente são aceitas em julgamentos atuais. Mas algum dia poderão transformar opiniões judiciárias de credibilidade e responsabilidade pessoal




POR UMA ESTRANHA coincidência fui convocado para ser jurado pela primeira vez pouco depois de assumir o cargo de diretor de um novo projeto da Fundação MacArthur, que explorava as questões suscitadas pela neurociência para o sistema de justiça criminal. Nada menos que 80 pessoas compareceram para o processo de seleção em um caso que envolvia uma jovem mulher, acusada de dirigir sob influência de substâncias tóxicas (DUI, na sigla em inglês), mas a maioria de meus concidadãos foi dispensada por várias razões, principalmente em razão de suas próprias experiências de DUI. Por fi m fui chamado ao juiz. “Diga-me o que você faz”, ordenou ele.

“Sou neurocientista”, respondi, “e na realidade realizei trabalhos relevantes para o que se passa em uma sala de audiências. Estudei, por exemplo, como se formam falsas memórias, a natureza do vício, e como o cérebro regula o comportamento.”

O juiz olhou atentamente para mim e perguntou: “O senhor acredita poder isolar todo o seu conhecimento sobre essas questões durante o transcorrer desse julgamento?”. Respondi que poderia tentar, e com isso, ele me dispensou.

Fiquei consternado, mas não deveria. No interesse da justiça, juízes e advogados devem selecionar jurados que serão orientados apenas por aquilo que ouvem no tribunal e manter distância daqueles cuja especialidade real ou imaginada no mundo exterior poderia influenciar indevidamente os outros jurados. De certa forma, porém, minha dispensa pelo juiz também refletiu a atual cautela do sistema jurídico em relação às ferramentas e os insights da neurociência.

Auxiliados por sofisticadas técnicas de imageamento, neurocientistas agora podem investigar o que ocorre dentro do cérebro vivo, e estão começando a trazer à tona padrões de atividade cerebral subjacentes a comportamentos ou modos de pensar. Advogados já tentam utilizar exames de varredura cerebral, ou ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), como evidência em julgamentos, e os tribunais estão lutando para decidir quando exames desse gênero devem ser admissíveis. Futuramente, a possibilidade de vincular padrões de atividade cerebral a estados mentais poderia reverter antigas normas para determinar se um acusado tinha controle sobre suas ações e avaliar até que ponto ele deve ser punido. Até agora, ninguém tem uma ideia clara de como conduzir as mudanças, mas o sistema jurídico, o público e os neurocientistas precisam compreender essas questões para garantir que nossa sociedade permaneça justa, até mesmo quando novos insights abalam antigos conceitos sobre a natureza humana.
PROVA INACEITÁVEL (POR ORA)

COM A CRESCENTE DISPONIBILIDADE DE IMAGENS CEREBRAIS, CAPAZES DE DESCREVER O ESTADO MENTAL DE Alguém, os advogados estão pressionando os juízes cada vez mais para que aceitem esses exames como provas para demonstrar, por exemplo, que um indiciado não é culpado por motivo de insanidade, ou que uma testemunha está falando a verdade. Os juízes podem aprovar o pedido se concluírem que o júri considerará os exames como um dado corroborante da declaração de um advogado ou uma testemunha, ou se julgarem que a exibição das imagens dará aos jurados uma compreensão melhor de algum aspecto relevante. Mas os magistrados rejeitarão a solicitação caso concluam que as imagens serão demasiado persuasivas por motivos errados, ou porque receberão atenção e peso exagerados. Em termos legais, os juízes precisam decidir se a utilização das imagens será “probatória” (tendendo a sustentar uma proposição) ou, alternativamente, “prejudicial” (tendendo a favorecer ideias preconcebidas), podendo, possivelmente, confundir ou induzir o júri em erro. Até agora os juízes – em concordância com a sabedoria convencional da maioria dos neurocientistas e acadêmicos versados em leis – normalmente têm decidido que exames de ressonância magnética e tomografias influenciarão injustamente os júris, além de fornecerem pouco ou nenhum valor probatório.

Os juízes também excluem rotineiramente os exames de varredura cerebral sob o pretexto de que a ciência não apoia sua utilização como evidência para qualquer condição mental, exceto ferimentos cerebrais físicos. Advogados de defesa criminal podem querer apresentar neuroimagens para provar que indiciados sofrem de uma disfunção cognitiva ou emocional em particular (como falhas de discernimento, moralidade ou controle de impulsos), mas – por enquanto, pelo menos – a maioria dos juízes e pesquisadores concorda que a ciência ainda não está suficientemente avançada para permitir isso.

INFORMAÇÃO DÚBIA

IMAGENS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL (fMRI) exemplificam um processo que pode oferecer boas informações científicas, das quais muito poucas são legalmente admissíveis. Essa tecnologia é a preferida de pesquisadores que investigam que partes do cérebro estão ativas durante diferentes processos, como ler, falar ou “estar no mundo da lua”. Mas ela não mensura diretamente a ativação das células cerebrais e sim o fluxo sanguíneo que, segundo se acredita, está correlacionado até certo ponto à atividade neuronal. Além disso, para definir o sinal de imageamento associado a um padrão de atividade cerebral em particular, os pesquisadores normalmente devem determinar a média entre muitas imagens de um grupo de teste, cujos padrões cerebrais individuais podem divergir acentuadamente. Uma fMRI de um acusado pode aparentemente diferir muito de um valor médio apresentado no tribunal,
mas ainda assim estar dentro dos limites estatísticos do conjunto de dados que definiram essa média.

Além disso, os cientistas nem sempre conhecem a prevalência de variações normais na anatomia e atividade cerebral da população (ou de grupos dentro dela). Exibir imagens de ressonância magnética funcional de um réu sem dados de um grupo de comparação apropriado pode induzir um júri ao erro. Os juízes já tiveram grande dificuldade para avaliar se deveriam admitir evidências físicas de varreduras cerebrais para comprovar problemas neurológicos ou psiquiátricos que poderiam afetar de alguma forma a culpabilidade de um acusado. Eles poderão enfrentar apuros maiores nos próximos anos, quando tiverem de decidir se neuroimagens podem servir como indicadores de estados mentais mais complexos, como a credibilidade ou honestidade de uma testemunha.
Desde o início do século 20, quando o psicólogo e inventor William Moulton Marston alegou pela primeira vez que um polígrafo, que mede a pressão sanguínea, o pulso, a condutividade da pele e outros sinais fisiológicos, podia determinar se uma pessoa estava mentindo, a detecção de mentiras tem sido um assunto quente nos círculos jurídicos. A grande maioria dos tribunais americanos tem descartado resultados de polígrafos como inadmissíveis, mas outras tecnologias estão sendo desenvolvidas e os tribunais certamente acabarão forçados a avaliar sua admissibilidade também. Essas ferramentas incluem métodos de imageamento cerebral que visam detectar estados mentais que refletem um comportamento sincero.

Um recente trabalho de Anthony D. Wagner e seus colegas da Stanford University, por exemplo, revelou que em condições experimentais controladas, a fMRI, combinada com complexos algoritmos analíticos, chamados classificadores de padrões, pode determinar com precisão que uma pessoa está se lembrando de alguma coisa, mas não se o conteúdo da memória detectada é real ou imaginado. Em outras palavras, podemos utilizar a fMRI para descobrir se pessoas acreditam estar se recordando de algo, mas não podemos saber se suas convicções são exatas. Wagner conclui que métodos de fMRI podem acabar se tornando eficientes para detectar mentiras, mas são necessários estudos adicionais.

Outros experimentos ajudam a expor a natureza da honestidade: ela resulta da ausência de tentação ou do exercício de uma força de vontade extra para resistir a ela? Em 2009, Joshua D. Greene e Joseph M. Paxton, da Harvard University, deram um incentivo financeiro aos participantes de um teste, colocados em uma máquina de ressonância magnética, para que exagerassem sua precisão em um jogo de cara ou coroa. Os pesquisadores conseguiram obter imagens de fMRI de participantes que decidiam se mentiriam ou não. O comportamento desonesto foi vinculado a uma atividade extra em certas regiões do cérebro envolvidas em controle de impulsos e tomadas de decisão. Entretanto, Greene e Paxton notaram que algumas das pessoas que falaram a verdade exibiram a mesma atividade cerebral; portanto, as imagens de fMRI podem captar apenas o esforço adicional para resistir à tentação e não sua veracidade conclusiva. Consequentemente, os pesquisadores recomendam aos juízes serem cautelosos na admissão desses tipos de dados nos tribunais atuais.

Entretanto, a opinião deles não é universal. Frederick Schauer, professor de direito na University of Virginia e perito em evidências jurídicas, ressalta que agora os tribunais admitem rotineiramente diversos tipos de provas muito mais ambíguas que a ciência de detecção de mentiras que está sendo excluída. A abordagem atual para determinar se testemunhas ou outros estão dizendo a verdade é imprecisa e baseada em conceitos equivocados sobre comportamento desonesto: a atitude, ou o comportamento, por exemplo, nem sempre fornecem indícios confiáveis de honestidade. A lei tem seus próprios padrões para determinar o que é admissível em um tribunal e eles são mais indulgentes que os científicos. Schauer argumenta que os jurados deveriam ter permissão para considerar os resultados de um teste de detector de mentiras que tenha um índice de precisão de 60%, porque ele poderia proporcionar dúvida razoável quanto à culpa ou inocência.

Um dos primeiros casos a abordar a utilização de tecnologia de neuroimagens para detectar mentiras acabou recentemente em um tribunal federal distrital no estado do Tennessee, nos Estados Unidos. Em United States v. Semrau, um juiz determinou que a prova oferecida por uma empresa comercial de detecção de mentira por fRMI deveria ser excluída, em parte devido ao Regulamento Federal de Evidências 403, segundo o qual provas têm de ser probatórias e não prejudiciais.
Além disso, o juiz explicou por que havia concluído que a influência injusta e lesiva da tecnologia no caso pesava substancialmente mais que seu valor probatório. A principal objeção do magistrado foi que o perito contratado pela defesa para conduzir o teste no detector de mentiras foi incapaz de dizer ao tribunal se a resposta a qualquer pergunta em particular era verdadeira ou falsa. De fato, ele testemunhou que podia apenas determinar de modo geral se o réu estava respondendo sinceramente a um conjunto de perguntas sobre o caso.

Devemos nos perguntar: em processos futuros os resultados poderiam ser admissíveis com a meta mais limitada de simplesmente determinar se o acusado estava sendo desonesto de modo geral? O emprego da neurociência para avaliar o caráter e a honestidade de modo geral dos indiciados poderá acabar suplantando sua aplicação para investigar a sinceridade desses indivíduos em relação a qualquer outro assunto na sala do tribunal. O Regulamento Federal 608(b) prevê que, uma vez que o caráter de uma testemunha foi atacado, o advogado pode apresentar como prova opiniões sobre o caráter da testemunha, quanto à sua tendência à honestidade ou à não veracidade. Atualmente, esse tipo de evidência consiste simplesmente no testemunho de outros sobre o dito caráter da teste munha. Mas e amanhã? Os júris irão querer saber a pontuação de uma testemunha em um teste de desonestidade provável? A prova de que alguém tende à desonestidade será mais prejudicial se ela sair de uma máquina sofisticada? Meu palpite é que esse tipo de prova acabará utilizada e que de início ela tenderá a ser prejudicial, mas à medida que a sociedade conquistar mais experiência com a tecnologia, o efeito lesivo diminuirá.

À PROCURA DE PSICOPATAS

JUÍZES E ADVOGADOS JÁ ESTÃO SENDO FORÇADOS a resolver o papel de
imagens cerebrais nos tribunais. A longo prazo, porém, o maior impacto da neurociência no sistema jurídico certamente virá de insights mais profundos de como o cérebro molda nosso comportamento. Até mesmo na mais tenra infância, seres humanos manifestam sensos de justiça e reciprocidade, além de desejos de confortar os injustiçados ou maltratados e punir os transgressores. Somos juiz e jurado desde o nascimento. Em cima desses instintos, construímos nossa opinião esclarecida sobre como a cultura deve considerar e punir o comportamento antissocial. Algum dia, a neurociência poderá forçar o sistema jurídico a revisar suas normas e regulamentos
para determinar a culpabilidade e emitir sentenças. Ela também poderá reorganizar drasticamente a noção da sociedade sobre o que quer dizer “livre-arbítrio” e como melhor decidir quando responsabilizar alguém por atos antissociais.

Considere a posição psiquiátrica e legal dos psicopatas, que são menos de 1% da população geral, mas compõem aproximadamente 25% dos prisioneiros. Esse rótulo, embora empregado popularmente como um termo abrangente para identificar muitos criminosos violentos e não violentos, é adequadamente reservado para portadores de um distúrbio psiquiátrico bem defi nido e diagnosticado por meio de um teste chamado Lista de Verifi cação de Psicopatia de Hare Revisada (PCL-R, na sigla em inglês).

Psicopatas frequentemente demonstram charme superficial, egocentrismo, magnanimidade, falsidade, manipulabilidade, e uma ausência de culpa ou empatia – tudo qualidades que podem ser avaliados pelo PCL-R. Entretanto, testes psicométricos como esse são apenas substitutos para medir disfunções neurológicas subjacentes às perturbadas vidas mentais dessas pessoas. Portanto, a mensuração dos processos cerebrais por neuroimagens deveria, pelo menos em teoria, fornecer um meio muito melhor para identificar os psicóticos.
Até agora, numerosos estudos associaram a psicopatia a uma atividade cerebral incomum. Psicopatas parecem exibir respostas neurológicas anormais a estímulos que exigem grande concentração, bem como a palavras com significados emotivos, concretos ou abstratos. Mas essas reações também podem ser encontradas em pessoas que sofreram danos em uma área do cérebro conhecida como lobo temporal medial – o que significa que elas não podem ser utilizadas como sinais definitivos de psicopatia. Outros estudos sugerem que psicopatas podem ter danos nas estruturas cerebrais profundas do sistema límbico, que ajuda a originar emoções, mas essa constatação é preliminar.

Cientistas também estão começando a procurar conexões anormais nos cérebros de psicopatas. Marcus E. Raichle, Benjamin Shannon e seus colegas da Washington University em St. Louis, juntamente com Kent Kiehl, da University of New Mexico, analisaram dados de exames de fMRI de prisioneiros adultos e delinquentes juvenis – todos submetidos ao PCL-R para detectar psicopatia. Descobriram que os adultos tinham uma variedade de conexões incomuns entre diversas regiões do cérebro, embora nenhuma alteração em particular predominasse. Diferenças mais impactantes apareceram de forma mais consistente e exclusiva em criminosos jovens – e o grau dessas alterações aumentou com seus níveis individuais de impulsividade. Uma das interpretações é que os jovens impulsivos são desprovidos de algumas restrições neuronais normais em suas escolhas de ações. Talvez uma anormalidade cerebral que promova a impulsividade acabe mais disseminada entre jovens não tratados, resultando nas diversas anormalidades neuronais observadas em adultos. Uma diferença desse tipo também pode ajudar a explicar por que os tratamentos psiquiátricos para psicopatia em delinquentes juvenis são mais bem-sucedidos que em adultos, que na maioria não reagem.

Atualmente a psicopatia não é uma base reconhecida para defesa fundamentada em insanidade. Em vez disso, os psicopatas são vistos como mais perigosos que criminosos não portadores dessa patologia, e recebem sentenças mais duras e longas. Uma ferramenta ou método de neuroimagem confiável, que pudesse identificar psicopatas, seria útil na fase de condenação no tribunal, porque poderia ajudar a determinar se o indiciado mereceria confinamento e tratamento médico, em vez de encarceramento punitivo. Convencer o público a aceitar que pessoas identificadas dessa maneira deveriam ser internadas em uma instituição psiquiátrica em vez de encerradas em uma penitenciária pode ser algo muito difícil, mas com provas suficientes a prática poderia acabar se tornando uma doutrina legal. Espera-se que até lá a neurociência também tenha concebido meios mais adequados para ajudar a reabilitá-los ou curá-los.

NEUROCIÊNCIA E DEFESAS CRIMINAIS

A JUSTIÇA CRIMINAL ACEITA APENAS uma lista limitada de possíveis defesas.
A neurociência moderna poderá ampliá-la? Os tribunais têm recusado uma defesa formal de “espancamento” para réus que reagiram com força letal contra cônjuges que as/os agrediam regular e violentamente. Ainda assim, em alguns estados os tribunais admitem o testemunho de peritos atestando que a chamada “síndrome da mulher espancada” é um tipo de transtorno de estresse pós-traumático, que juízes e júris podem levar em consideração ao avaliar a credibilidade de uma mulher que alega ter agido em defesa própria. Precedentes como esses abrem uma porta para utilização jurídica mais
abrangente da neurociência.
O modo como se define o mens rea, o estado mental de um acusado em um dado contexto, tem efeito importante sobre a responsabilidade atribuída a ele ou ela. Em pesquisas realizadas atualmente, baseadas em fMRIs, Read Montague, da Baylor College of Medicine, e Gideon Yaff e, um professor de direito da University of Southern California, estuda se determinados dependentes sofrem de uma forma sutil de “cegueira de risco”. Pessoas razoáveis aprendem a não assaltar lojas ao compreenderem que cometer o crime colocaria em risco sua capacidade de desfrutar uma vida com amigos e familiares, seguir carreiras gratificantes etc. Entretanto, Montague e Yaff e estão notando indicações de que pelo menos alguns dependentes químicos não conseguem refletir muito bem sobre os benefícios desses cursos de ação alternativos. Potencialmente, suas descobertas poderiam justificar a modificação do padrão de “pessoa razoável” na justiça criminal para que os dependentes possam ser julgados com base em condições mais específicãs e não com critérios de um não dependente. E isso poderia levar a uma absolvição ou redução de sentença para um réu dependente.

Quando os exemplos precedentes são considerados juntos, emergem questões profundas sobre como a nossa cultura e nossos tribunais lidarão com comportamentos antissociais. Como o neurocientista William T. Newsome, da Stanford University, perguntou, cada um de nós terá um ranking de “responsabilidade” personalizado que poderá ser invocado no caso de infringirmos a lei? Se, como alguns peritos antecipam, em breve todos nós carregaremos nossos históricos médicos pessoais em um cartão de memória para referência, talvez se inclua aí um perfi l deduzido a partir do conhecimento de nosso cérebro e comportamento que capta nossa razoabilidade e irresponsabilidade? Essa evolução seria benéfica para a sociedade e faria avançar a justiça, ou seria contraproducente? Ela deterioraria as noções de livre-arbítrio e responsabilidade pessoal mais amplamente se todas as decisões antissociais pudessem aparentemente ser atribuídas a algum tipo de desvio neurológico?

Em minha opinião, é importante manter os avanços científicos sobre como o cérebro capacita a mente separados das discussões sobre responsabilidade pessoal. São pessoas, não os cérebros, que cometem crimes. Como já expliquei em outro lugar, o conceito de responsabilidade pessoal é algo que brota das interações sociais. Ela é parte das normas de intercâmbio social, não é uma parte do cérebro.

PROCEDA COM CAUTELA

APESAR DE MUITOS INSIGHTS estarem se originando da neurociência, descobertas recentes de pesquisas sobre a mente juvenil destacam a necessidade de proceder com cautela ao incorporar essa ciência à lei. Em 2005, no caso Roper v. Simmons, a suprema corte americana considerou que a execução de um réu que cometeu um assassinato aos 17 anos ou menos era uma punição cruel e incomum. O tribunal baseou sua opinião em três diferenças entre adolescentes e adultos: os jovens sofrem de uma impetuosa falta de maturidade e responsabilidade; eles são mais suscetíveis a influências negativas e não têm independência para se afastar de situações comprometedoras; e o caráter de um jovem ainda não está tão definido como o de um adulto. Embora o tribunal compreendesse que estava traçando uma linha arbitrária, determinou que nenhuma pessoa menor de 18 anos à época de um crime poderia receber a pena de morte.

Independentemente das conquistas que os avanços da neurociência possam ter, todos deveríamos observar cuidadosamente como eles devem ser incorporados à nossa cultura. A relevância judicial de descobertas neurocientíficas é apenas uma parte do todo. Algum dia vamos querer exames de ressonância magnética cerebral de nossos noivos/noivas, sócios ou políticos, mesmo que os resultados não resistam a um teste no tribunal? À medida que a compreensão científica da natureza humana continuar a evoluir, nossa postura moral em relação a como gostaríamos de administrar uma sociedade justa também mudará. Ninguém que eu conheça quer se precipitar para um novo sistema sem que cada nova descoberta seja analisada com extremo cuidado. Ainda
assim, ninguém pode ignorar as mudanças no horizonte.

Fonte: Scientific American Brasil

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