quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Era Pós-Genômica - anno V Uma medicina mais preventiva desponta cinco anos após o primeiro rascunho do genoma humano.


Em 26 de junho de 2000, a chaminé da Casa Branca em Washington soltou uma fumacinha clara, os sinos badalaram, e o presidente Bill Clinton e o primeiro-ministro inglês Tony Blair anunciaram: habemus genoma! Era apenas o primeiro rascunho do genoma humano, seguido de uma versão bem mais detalhada em fevereiro de 2001. Só em abril de 2003 declarou-se oficialmente terminada a primeira etapa do Projeto Genoma Humano. Mais de 99% dos 2,9 bilhões de pares de base que constituem a porção eucromática do genoma humano haviam sido seqüenciados com exatidão superior a 99,999%.

Comemoramos agora cinco anos de era pós-genômica, momento oportuno para um inventário dos avanços. Curiosamente, o número de genes humanos, um dos primeiros objetivos do PGH, ainda não é conhecido com certeza. Afinal, não é fácil achar agulhas em um palheiro, principalmente quando há dificuldades em distingui-las das próprias tiras de palha. As estimativas são de apenas 20 mil a 25 mil genes estruturais, correspondendo a menos de 2% do genoma eucromático - os 98% remanescentes são compostos de DNA sem função aparente, o chamado "DNA-lixo" (junk DNA). Outra surpresa foi a estrutura do genoma: os genes parecem estar espalhados ao acaso no meio do DNA-lixo, sem evidência de qualquer plano de organização.

O número de genes estruturais do genoma humano é menor que o da planta-modelo Arabidopsis thaliana (25.500) e próximo ao do pequeno nematódeo Caenorhabtidis elegans (cerca de 19 mil genes). As previsões de 100 mil a 120 mil genes humanos, feitas no início do PGH, não se concretizaram. Essa foi uma grande lição de humildade, a terceira que a ciência ministrou ao ser humano: a primeira veio com Copérnico e a revelação da Terra como um planeta qualquer e não o centro do Universo; a segunda com Darwin e a teoria da evolução, demonstrando que o homem era uma espécie animal qualquer e não o ápice da Criação. Agora, descobrimos que o genoma humano é um genoma qualquer, não tendo muito de especial. Pode salvar um pouco o nosso orgulho a idéia de que, usando a "edição alternativa" (alternative splicing), sejamos mais eficientes que outras espécies na geração de uma grande diversidade de produtos gênicos.

Do ponto de vista médico, o término do PGH é comparável à publicação do tratado de anatomia humana De humani corporis fabrica, por Andreas Vesalius em 1543. O conhecimento anatômico alicerçou o desenvolvimento de toda a medicina ocidental, propiciando o florescimento da fisiologia, da patologia e da farmacologia. Agora, temos a anatomia do genoma humano, e nas próximas décadas florescerão a fisiologia genômica (transcritômica, proteômica, metabolômica), a patologia genômica e a farmacologia genômica.
Uma das metas da ciência genômica é catalogar completamente a variação genética humana. Usando metodologia de microchips, já estão sendo desenvolvidas ferramentas para o estudo de polimorfismos em centenas de milhares de genes simultaneamente, massificando e reduzindo o custo do diagnóstico genético. O resultado será uma medicina personalizada, baseada no conhecimento do genótipo de cada pessoa. Neste contexto, duas áreas merecem menção especial pelos avanços notáveis e promessas de benefícios a curto prazo: a farmacogenômica e a nutrigenômica. A primeira lida com a variação na resposta individual a fármacos, usando testes genômicos para conseguir tratar cada doente com o medicamento certo, na dose certa. No Brasil, a Rede Nacional de Farmacogenética e Farmacogenômica (www.refargen.org.br) coordena pesquisas nessa área. Já a nutrigenômica estuda o efeito da interação entre variação gênica e nutrição sobre a saúde. Testes em DNA permitirão, cada vez mais, prescrever a dieta ideal para o genoma altamente específico de cada pessoa, prevenindo doenças como obesidade, diabetes e câncer.

A nova medicina genômica é preditiva e preventiva. O conhecimento do mapa de predisposições genéticas de cada indivíduo permitirá ajustar seu estilo de vida ao seu genoma e assim prevenir doenças. Diferentemente da medicina atual, com foco nas doenças, a medicina genômica visa sobretudo a manutenção da saúde.

Fonte: Scientific American

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